O Conselho Municipal de Patrimônio Cultural acatou por unanimidade o pedido feito pela comunidade afrodescendente para tornar as cinco gameleiras da Praça Tiradentes, no Centro, patrimônio imaterial da cidade. Com esse registro, as gameleiras, consideradas árvores sagradas pelas religiões de matriz africana, ficam salvaguardadas e têm a garantia de sua preservação.
A decisão foi tomada na última reunião do conselho, em outubro, e também faz das gameleiras o primeiro patrimônio cultural dos povos de terreiro reconhecido e registrado no Paraná. O próximo passo é a elaboração de um plano de salvaguarda, que será discutido com vários órgãos governamentais, instituições da sociedade civil e representantes da comunidade.
Este é o segundo bem imaterial da cidade registrado pelo Conselho Municipal desde a sua criação, em 2016. O primeiro foi a Feirinha do Largo da Ordem, em 2018.
“Esse espaço, há muito tempo, é um território sagrado de culto aos ancestrais afro-brasileiros. A Prefeitura cuida e preserva as gameleiras já há algum tempo, por isso elas puderam ser reivindicadas como patrimônio imaterial. Com as gameleiras, a praça Tiradentes se tornou um espaço de peregrinação dos povos de axé. São muitas manifestações religiosas e de cultura, como o tradicional cortejo das Águas do Rosário”, destaca a assessora de Promoção da Igualdade Racial, Marli Teixeira.
Para tornar as gameleiras um bem protegido pelo município, a comunidade fez um abaixo-assinado e o apresentou à Assessoria de Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura de Curitiba, que, por sua vez, solicitou a instauração do processo no âmbito do Conselho. O processo foi instruído por pesquisas e documentação antes de seguir para a relatoria, que confirmou a necessidade do registro das cinco gameleiras brancas como bem imaterial na categoria “lugar”.
Árvores sagradas
As gameleiras são consideradas pelos povos de terreiro como a morada do orixá Irôko, que representa a dimensão do tempo. São vistas como árvores sagradas que abrigam espíritos ancestrais e, portanto, servem de ligação entre Orum (céu) e Ayê (terra).
Na África, a árvore consagrada ao orixá é conhecida como amoreira africana. No Brasil, diz-se que Irôko habita as gameleiras (fícus doliaria), também chamada de figueira branca.
Não se tem registro de quando e por quem foram plantadas, mas, de acordo com o relatório votado no conselho, “o número de árvores e o modo como estão dispostas, em círculo ao redor de onde hoje se situa a escavação da antiga praça, é significativo para o candomblé, o que fez com que fossem escolhidas para as práticas dos cultos e representassem um espaço físico imbuído de significação cultural.” Em várias épocas do ano, o entorno das árvores na Praça Tiradentes é utilizado como local para rituais, louvações, rodas de capoeira e outras atividades culturais.
Um dos coletivos que tem sua história ligada às gameleiras é o Egbé Ayè Afoxé Omo Ijesá, bloco de dimensão étnico-religiosa, formado no final dos anos 70. O bloco sai no carnaval curitibano, mas antes de desfilar, faz louvação a Irôko e segue em cortejo até a Avenida Marechal Deodoro.
Visibilidade
Baba Flávio Maciel, coordenador-geral do Fórum Paranaense de Religiões de Matriz Africana, conta que a intenção de proteger oficialmente as gameleiras e conservar aquele espaço como lugar de culto tomou corpo a partir de 2019. Após reuniões com vários terreiros e com o apoio do projeto Lugares de Axé, foi elaborado um documento com fatos históricos e descrição dos ritos, para endossar o requerimento junto à Prefeitura. A assessora de Promoção e Igualdade Racial, Marli Teixeira, recebeu o pedido da comunidade e o encaminhou ao Conselho de Patrimônio.
Para o coordenador do Fórum, o reconhecimento das gameleiras como patrimônio imaterial é uma forma de reparar e dar visibilidade à comunidade afrodescendente.
“Ter um bem como patrimônio imaterial em uma cidade cujas manifestações culturais mais relevantes até então eram as de origem europeia, é colocar o nosso povo em evidência”, disse Baba Flávio.
A importância do registro, segundo Baba Flavio, está também na garantia de que aquele espaço será preservado para as futuras gerações. “Esse bem está na praça que é o marco da cidade. Ali estão as raízes que nos mantêm em pé e nos dão força para superação do racismo, do apagamento e da falta de representatividade”, afirmou.