A ação da Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab) em 12 vilas localizadas na abrangência da bacia do rio Barigui abriu caminho para a criação do Parque Guairacá, inaugurado neste sábado (29), na CIC. No total, foram reassentadas pelo programa habitacional do município 743 famílias que haviam construído suas casas na faixa de preservação permanente do rio e viviam em situação de risco, prejudicando o meio ambiente.
Agora, elas estão morando em casas de alvenaria em três empreendimentos que foram implantados em bairros da Regional CIC especialmente para receber os reassentados: Moradias Corbélia, no São Miguel, onde foram reassentadas 555 famílias; Moradias Ibaiti, na CIC, que recebeu 38 famílias; Moradias Aquarela, no Augusta, endereço de outras 150 famílias.
A diarista Maria Evani Barbosa Stanski foi uma das reassentadas. Ela deixou a Vila Rigoni, há cerca de três anos, depois de morar por oito anos no local onde foi implantado o Parque. “Não tenho nenhuma saudade de lá. Agora estou vivendo num lugar bem melhor”, diz ela.
Maria Evani deixou parentes na Vila Rigoni e, às vezes, faz visitas no local. “Lá, ficou muito bonito. Melhorou muito a condição das famílias que ficaram, mas eu não trocaria a casa que tenho hoje por outra, em nenhum outro lugar”, conta. Ela mora com o marido e o filho de 13 anos em uma casa de esquina, que eles estão arrumando com capricho.
A motivação para a arrumação vem da condição que ganharam com o reassentamento. Na Vila Rigoni, a família morava no mesmo terreno do pai de Maria Ivani, onde havia uma casa com dois quartos e apenas um corredor para acesso ao imóvel, que ficava na beira do rio. “Era tudo incômodo e apertado”, lembra.
Depois que mudaram para o Corbélia, Maria Evani e o marido (que trabalha como carpinteiro) já ampliaram a casa, construíram muro e calçadas e, na frente, cultivam um jardim – velho sonho dela, impossível de ser concretizado na Vila Rigoni. “Agradeço todo momento a benção que recebi quando saí da beira do rio”, fala.
Satisfação
A mesma satisfação é manifestada pelo casal Maria Inês e Mizael Cardoso de Souza, também moradores do Corbélia. Eles saíram da Vila Eldorado, outra ocupação que tinha domicílios na margem do Barigui. Viveram lá por 23 anos e ali criaram seus cinco filhos, todos casados. “Não tinha documento, segurança e nem saneamento”, lembra Mizael.
Para evitar que a água entrasse em casa, Mizael havia construído um muro de proteção ao lado do rio. “Investi todo o dinheiro da aposentadoria, porque avaliei na época que era a tranquilidade da família que estava em jogo. Por isso, quando saí da Vila Eldorado, não olhei para trás. Hoje, três anos depois da mudança, parece que nunca vivi lá. Não sinto falta nenhuma daquele lugar. Agora, temos o nosso cantinho”, conta.
O comerciante João Pelegrini trocou a Vila Nápoli pelo Moradias Corbélia e fala que tem a mesma sensação de alívio por ter deixado a beira do rio. Ele viveu em condição insalubre e de risco por quase oito anos e diz que está feliz com a casa nova. No imóvel, de esquina, ele montou um pequeno comércio, para manter a mesma atividade que tinha quando morava na ocupação irregular.
A diferença é que, com mais espaço no terreno, pode ampliar a venda e o movimento, com um fluxo maior de pessoas (o conjunto tem cerca de 2 mil moradores), cresceu e, em consequência, a renda familiar também aumentou. João diz que a satisfação com a nova vida só não é completa, porque a família enfrenta hoje uma situação de doença. “Se não fosse o problema de saúde de minha esposa, tudo seria perfeito”, diz ele.
Corbélia
O Moradias Corbélia é a maior área de reassentamento preparada para receber moradores que viviam na margem do rio Barigui. Com 555 unidades (casas e sobrados), o conjunto foi construído num terreno de 192 mil metros quadrados, que abrigava a antiga sede campestre do Clube Literário do Portão.
Um bosque de mata nativa existente no local foi preservado e o terreno, situado numa área alta do bairro São Miguel, permite uma visão de contrastes: ao fundo, estão os prédios da cidade e, à frente, a área verde da APA do Passaúna.
A infraestrutura do conjunto inclui ruas asfaltadas, redes de água, esgoto e iluminação. Junto às moradias foi construída uma escola, uma creche, uma unidade de atendimento da Fundação de Ação Social (FAS) e um barracão do programa EcoCidadão está em obras. Na vizinhança há uma praça, a Bela Vista do Passaúna, com equipamentos de esportes e recreação.
Além dos serviços e equipamentos disponíveis, os moradores reassentados recebem atendimento do serviço social da Cohab. Como parte do trabalho com as famílias, há um projeto de educação ambiental em andamento, que envolve crianças, adolescentes e adultos.
Perfilamento
Outra intervenção possível após o reassentamento de famílias da bacia do Barigui é o perfilamento no trecho sul do rio, que está em andamento pela Secretaria Municipal de Obras Públicas (Smop). A obra faz parte de um projeto amplo de drenagem e prevenção de cheias, que alcança toda a cidade, com financiamento do governo federal, do chamado PAC 2 (Programa de Aceleração do Crescimento). Os investimentos globais previstos para os próximos três anos são de R$ 787 milhões, em obras e projetos.
O perfilamento do Barigui (que consiste no alargamento da calha, rebaixamento do fundo do rio e recomposição das margens e taludes) integra a primeira etapa do projeto. Depois de concluído o trabalho, o Barigui terá maior capacidade de vazão da água das chuvas, contribuindo para evitar situações de alagamentos que, no passado, eram parte da rotina das famílias.
O dimensionamento do projeto de perfilamento do rio levou em conta as cheias verificadas na região nos últimos 25 anos (o chamado tempo de recorrência). O trecho sul do Barigui, localizado entre a rua Dionira Moletta Klemtz e o rio Iguaçu, na divisa com o município de Araucária, tem 22 quilômetros de extensão e está com cerca de 30% das obras concluídas.
Para o coordenador do projeto de drenagem e prevenção de desastres naturais do PAC 2, Sérgio Matheus, da Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão, “sem a ação da Cohab nas vilas do entorno do Barigui não seria possível realizar qualquer intervenção de impacto no rio. A Cohab se antecipou e criou condições para que a obra de perfilamento fosse executada”.
A proposta global do projeto de drenagem e prevenção de cheias prevê também a atuação em outras bacias hidrográficas da cidade, como as do Belém, Atuba e Padilhas, com obras como perfilamento de rios, criação de bacias de contenção, contenção de margens e recomposição de taludes.
Em todas as bacias incluídas nos projetos que serão executados pela Smop, a Cohab tem tido atuação nos últimos cinco anos, para transferência de famílias das margens de rios. Até agora, dos 9.104 reassentamentos previstos, 6.030 foram concluídos.