A troca de experiências de Curitiba com o Japão, por intermédio da parceria com a Agência Japonesa de Cooperação Internacional (Jica), é uma prática que tem enriquecido os projetos desenvolvidos na cidade.
Planejamento urbano, gestão urbana para o desenvolvimento sustentável, redesenvolvimento urbano e reajuste do espaço urbano (ou land readjustment), foram os temas dos últimos cursos realizados no Japão pela Jica com a participação de técnicos do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc).
A experiência e os resultados do intercâmbio foram detalhados ao corpo técnico do instituto no evento Diálogos Urbanos, nesta quarta-feira (13/3), pelos arquitetos do Ippuc Bruna Griguol, Priscila Tiboni e Fabiano Borba, que participaram dos cursos no Japão de meados do ano passado ao início deste ano.
A aprovação a um curso da Jica exige pré-requisitos de técnica, conhecimento em gestão urbana e fluência em língua estrangeira, com ênfase no inglês avançado. São necessários certificados dos cursos e atestados para a validação.
Uma vez aprovado, o candidato deverá apresentar um projeto ou estudo (em inglês) vinculado à área de trabalho do curso. A proposta deverá ser aprimorada com base no conteúdo de aulas e visitas técnicas durante a estada no Japão.
“O trabalho é desenvolvido ao longo do curso. Tudo é examinado por uma pré-banca, antes da apresentação final”, explica Bruna Griguol, representante do Ippuc, e única brasileira a fazer parte do curso de Land Reajustment ministrado pela Jica, em Tóquio, entre os meses de maio e julho do ano passado.
Bruna teve aulas de segunda a sexta-feira das 9h às 17h, sendo a única brasileira num grupo predominantemente asiático que contou com técnicos da Indonésia, Nepal, Vietnã, Butão e Mongólia.
O redesenvolvimento urbano, por exemplo, é uma ferramenta prevista no Plano Diretor de Curitiba, a partir da sua última revisão, e também proposta da nova Lei de Zoneamento. Por esta ferramenta é possível definir novas áreas urbanas, prevenir a ocupação desordenada e redesenvolver centros urbanos consolidados em situação de estagnação.
“No Japão, as ferramentas de redesenvolvimento e reajuste urbanos vêm do século XIX e propiciaram renovações urbanas de grande porte. É um princípio de reorganização do espaço urbano que no Brasil tem outro contexto de aplicação”, explica Bruna Griguol que apresentou um estudo de renovação urbana da área de uma antiga indústria cerâmica, cadastrada como patrimônio cultural de Curitiba. No Ippuc, Bruna atua na gerência do setor de Patrimônio Histórico que integra a Coordenação de Uso do Solo.
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Unidade na diversidade
Uma metáfora do resultado visível do planejamento urbano aplicado no Japão, em especial numa região de alto índice de adensamento como Tóquio, por exemplo, talvez possa ser traduzida pelo logotipo dos jogos Olímpicos de 2020 que serão realizados na capital japonesa.
O desenho, de autoria do designer Asao Tokoro, escolhido entre mais de 14 mil candidatos como a marca oficial das Olimpíadas do ano que vem, adota um padrão tradicional chamado "ichimatsu moyo", que é datado até o período Edo (1603-1868). São retângulos que, juntos, formam um círculo e representam a unidade na diversidade.
A analogia entre o desenho do logo e o desenho urbano da grande Tóquio foi feita pelo arquiteto Fabiano Borba, que fez o curso de Planejamento Urbano (Compreehensive City Planning) da Jica, entre outubro e novembro de 2018. “São partes desiguais que formam uma figura homogênea”, reforça o arquiteto.
Aos técnicos japoneses, Borba apresentou o projeto do parque linear do Rio Belém, em desenvolvimento pelo Ippuc. Foi o único latino-americano em uma turma formada por técnicos da África, de outras regiões da Ásia, como Mianmar, e também do Oriente Médio Irã, Iraque e Afeganistão.
Em sua apresentação nesta edição de março dos Diálogos Urbanos, Borba lembrou que a primeira legislação de zoneamento de Tóquio data de 1919. Depois disso, a região passou por reconstruções. Primeiro, após 1923, quando Tóquio foi devastada pelo grande Terremoto de Kanto, de 7.9 graus. Depois, a recuperação pós-guerra, com uma nova legislação de planejamento de 1964.
Uma particularidade do Japão é que 66% das áreas do país não são habitáveis, sendo apenas 5% urbanizados e superadensados. O modelo seguido atualmente está na cidade compacta e interligada para fazer frente ao envelhecimento da população. “Com a população em declínio é inevitável compactar. A proximidade otimiza a infraestrutura”, diz Fabiano Borba ao explicar o desenvolvimento de subpolos conectados no espaço urbano.
Outro diferencial no ordenamento urbano no Japão é o fato de o governo central ser o orientador do processo de planejamento e a iniciativa privada ter participação direta no financiamento do transporte e na implantação de estruturas mistas que permitem o uso público, tendo como contrapartida a exploração imobiliária e a permissão de maior densidade de ocupação em determinadas áreas.
Desenvolvimento sustentável
A arquiteta Priscila Tiboni é a representante do Ippuc que participou do curso mais recente da parceria com a Jica. Entre janeiro e fevereiro deste ano ela fez parte de um grupo latino-americano que concluiu o curso de Gestão Urbana para o Desenvolvimento Sustentável, realizado na cidade de Kitakyushu, na região de Fukuoka, na porção sul do Japão.
Kitakyushu foi grande polo industrial do Japão no século 20, tendo sofrido os efeitos de poluição entre outras mazelas locais com essa vertente produtiva. A cidade passou por uma grande transformação e passou a referência em conservação ambiental naquele país.
Foram aulas ministradas em espanhol a uma turma que também contou com representantes da República Dominicana, Equador, Nicarágua, Panamá, Bolívia e Peru.
Como caso de Curitiba, Priscila apresentou o Plano Regional da CIC como demanda a ser estudada no curso, com foco especialmente em soluções para assentamentos irregulares em margens de rio e ações de preservação ambiental.
“No curso o foco é em que você quer aprender. Você busca solução para quê?”, argumenta a arquiteta.
Segundo Priscila, uma das orientações frutos do intercâmbio está no trabalho de resgate da história e da cultura das regiões foco do trabalho. Em fortalecer a relação com o local e promover o engajamento das comunidades antes de definir normas e regras. “É necessário apresentar o que vai melhorar. Mostrar o lado bom e trabalhar nesse sentido”, completa.
Como continuidade da parceria entre o Ippuc e a Agência Japonesa de Cooperação Internacional (Jica) será feita a formação de um corpo técnico de suporte ao desenvolvimento de cidades inteligentes. O intercâmbio de atividades prevê a ida de técnicos do Ippuc ao Japão e a vinda de especialistas japoneses a Curitiba, sendo o processo subsidiado pelo governo japonês.