A Prefeitura de Curitiba, em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), prepara um guia para orientar o trabalho dos servidores municipais e a comunidade sobre a problemática social envolvendo os acumuladores compulsivos. O guia é parte de um projeto-piloto de acompanhamento terapêutico de pessoas que acumulam objetos e animais, iniciado em outubro do ano passado. Um diagnóstico feito pelo curso de Medicina Veterinária da UFPR e a Secretaria Municipal da Saúde identificou, entre 2014 e 2015, a existência de 113 acumuladores compulsivos em Curitiba.
O guia reunirá uma série de orientações consideradas essenciais para orientar a atenção a esses casos. Uma das preocupações - reforçada pela mobilização contra a dengue - é evitar confusão entre acumulação compulsiva e o trabalho, por exemplo, de quem se dedica à coleta e separação de materiais recicláveis.
Iniciativa inédita
O projeto-piloto de acompanhamento terapêutico dos acumuladores compulsivos envolve estudantes da Psicologia, da Terapia Ocupacional e da Enfermagem em um programa de extensão universitária voltado para essa linha de cuidado e atenção, com foco territorial. Pela Prefeitura, participam as secretarias municipais da Saúde e do Meio Ambiente, a administração regional do Cajuru e a Fundação de Ação Social (FAS), para o resgate dos laços familiares desfeitos.
O acúmulo compulsivo de objetos e de animais é um agravo de saúde pública complexo e que exige a ação interdisciplinar, especialmente nas áreas da atenção à saúde, da saúde mental, do meio ambiente, da vigilância sanitária e da assistência social. O estudo, da forma como vem sendo organizado, é inédito e pretende apontar para o desenvolvimento de uma linha de cuidado e para a elaboração de políticas públicas para tratar do problema. A acumulação compulsiva acarreta riscos à saúde, ao meio ambiente, afeta as relações pessoais e sociais e essa perda de vínculos é agravada pelo envelhecimento. Estudos apontam que, embora alguns sinais possam surgir na infância ou adolescência, a intensificação dos sintomas ocorre a partir da meia idade, com agravamento progressivo do quadro, e que isso independe de classe social ou renda familiar.
“Por ser uma situação complexa e que demanda uma atuação cuidadosa, o trabalho é demorado. No momento, estamos na fase de aproximação para o estabelecimento de vínculo e relação de confiança entre acompanhantes terapêuticos e acumuladores”, disse a coordenadora da área técnica da Atenção Psicossocial do Departamento de Saúde Mental da Secretaria da Saúde de Curitiba, Flávia Adachi. “Esse projeto é inédito e vai apontar o que pode ser feito pela pessoa dentro do contexto de vida dela, entendendo os recursos de que dispõe para a superação do acúmulo compulsivo”, informou a coordenadora.
“Levamos cerca de um ano de aproximações e visitas para poder entrar na casa de um acumulador compulsivo que vive na Regional Portão”, lembra a bióloga do programa municipal de controle da Dengue, Liana Ludielli da Silva. A também bióloga Marília de Fátima Valente, chefe do serviço de Vigilância Sanitária do Distrito Sanitário Cajuru, explica a abrangência dessa atuação: “a gente vem trabalhando com identificação e monitoramento dos casos, com a promoção da reinserção familiar, com a conscientização da população do entorno e com a sensibilização e orientação de abordagem junto às equipes de profissionais e estudantes”, disse.
Projeto de vida
O professor Luís Felipe Ferro, responsável pelo programa de extensão da UFPR dos acompanhantes terapêuticos de acumuladores compulsivos, afirma que o trabalho é importante tanto para a atuação da rede de atenção quanto na formação dos futuros profissionais da Terapia Ocupacional, Psicologia e Enfermagem. “Desperta para a prática do cuidado e as estratégias de intervir com sensibilidade, percepção da realidade e sem preconceito”, disse Ferro. “É um problema comunitário intenso, que se agrava nas metrópoles. Acredito que ele sempre existiu, mas atualmente, com a concentração populacional, torna-se mais complexa”, concluiu o professor da UFPR.
Ferro ainda defende a necessidade de desenvolver o mais rápido possível programas de atendimento e reconhecimento desses casos por parte das diversas instâncias do poder público. “O quanto antes amadurecermos um protocolo, mais cedo se dará essa intervenção coletiva ou individual. A identificação precoce leva à intervenção precoce: a família não sofre, a pessoa não sofre e não se perdem as relações”, argumentou.
A percepção dos profissionais da Prefeitura e da UFPR envolvidos no projeto-piloto é a de que essa intervenção aponte, no futuro, para a formulação de um projeto de vida livre da acumulação. Para isso, é necessário conhecer bem a realidade dos casos e construir ao longo dessa convivência um projeto de vida em que o acumulador compulsivo acredite e se identifique. “É preciso construir no cotidiano, junto com a pessoa, um projeto de vida que agregue outras possibilidades que passem a fazer sentido para a pessoa, em detrimento ao acúmulo”, acrescenta Flávia Adachi.
O guia prático para sensibilização dos profissionais vai orientar também as capacitações dos servidores municipais, qualificar a atenção à saúde e a assistência social nesses casos.