A semana promete ser agitada e de novidades para Davyd Vinicius Gonçalves Ribeiro e Amora, um cão-guia que está de mudança para Curitiba, onde passará a dar apoio às locomoções do estudante de 22 anos, cego desde os 17.
A nova função, no entanto, exige um treinamento específico entre os dois — além de uma empatia que já foi testada. Amora, que como o nome aponta é na verdade uma cachorra, passou por dois anos do treinamento desde que nasceu, em Camboriú.
Na cidade funciona o Instituto Federal Catarinense, uma das sete instituições que promovem adestramento de cães-guia para um programa federal (do ministério da Educação e da secretaria de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência). O projeto começou em 2013. Amora é o vigésimo primeiro animal a ser transferido para ajudar pessoas cegas.
Agora a labradora vai para a fase final de sua preparação para David. A partir de segunda-feira, os dois começam juntos seus embarques e desembarques no transporte coletivo e andanças pelas ruas da cidade — a Biblioteca Pública é um destino habitual do estudante que mora no Alto Boqueirão.
Para facilitar essa fase inicial da parceria, na qual Amora pode estranhar os novos trajetos, os dois contarão com auxílio do treinador e instrutor de cães-guia Leonardo Goulart Nunes, num trabalho que será realizado até quinta-feira, a partir de quando a rotina caberá apenas à cachorra e ao seu guiado.
A coordenadoria de Pessoas com Deficiência da Prefeitura de Curitiba está dando apoio neste trabalho — ajudou no contato entre o instituto e Davyd e nos trâmites da doação.
Um representante da Urbs também estará ao lado do trio nos deslocamentos iniciais por Curitiba. Como eles precisarão entrar e sair várias vezes da estações e dos veículos, para que Amora se habitue mais rapidamente à nova paisagem, a Prefeitura vai permitir a gratuidade das passagens.
Figura rara
Mas isso é o menos importante. Trata-se de um aprendizado para todos. Há uma lei federal, e Curitiba tem uma lei específica que permite a circulação de cães-guia em ambientes fechados. Eles, no entanto, não são uma figura comum no auxílio aos cegos na cidade.
O fisioterapeuta Roberto Leite, 53 anos, por exemplo, circula pela capital há dois anos com Dexter, um golden retriever guia, o primeiro a ser entregue pelo instituto catarinense em Curitiba e um dos raros ativos na capital.
Segundo ele, a maioria da população não sabe que a permissão para entrar com cães-guia em locais fechados é garantida por lei. “É difícil também convencer as pessoas de que brincar com o cachorro pode distraí-lo de sua atividade”, conta.
O que para quem está do lado de um cão-guia num ônibus pode ser uma brincadeirinha inocente, para o animal é fator de estresse que prejudica seu trabalho.
Empatia
Por questões como essa que não é qualquer cão que vira guia, nem qualquer pessoa cega que pode receber um animal para auxiliá-la.
De acordo com Nunes, é fundamental que o cão se adapte bem à rotina do dono. Entre o nascimento do animal e primeiro contato com o deficiente visual são dois anos de formação do cão, que tem características genéticas que o predispõe a essa trabalho.
Os filhotes de cães-guia são criados no centro de formação do Instituto, passam por um período de socialização — durante aproximadamente um ano — com uma família voluntária e voltam ao centro, onde são formados e esperam por um dono.
“Não pode ser qualquer cão, assim como não pode ser qualquer dono. Eles têm que ter personalidades que se casem. Um cachorro agitado, por exemplo, ficará estressado sendo guia de alguém que pouco sai de casa”, diz Nunes, que na sexta-feira esteve na coordenadoria de Pessoa com Deficiência de Curitiba para acertar os detalhes da semana. “Apenas 15% dos cães que iniciam o treinamento como cão-guia conseguem se formar.”
A afinidade entre Davyd e Amora já passou pelos testes iniciais. Esse é o principal critério para selecionar as pessoas vão receber um cão por meio do projeto. Os interessados se cadastram para participar, instrutores visitam os cadastrados e avaliam o perfil. Quando os perfis "casam", o processo caminha para a doação.
Davyd e Amora já convivem há três semanas — só nesta última semana, no entanto, vão encarar os ônibus da cidade. Segundo o estudante, os benefícios para sua mobilidade serão grandes. “Um cão traz a segurança que é impossível ter com a bengala”, diz ele. “É uma troca. Assim como ela cuida de mim, eu tenho que cuidar dela.”
Com a experiência acumulada com Dexter, o fisioterapeuta Roberto ressalta os benefícios: “Com a bengala, eu percebia a distância de um obstáculo quando ele já estava muito próximo”, conta ele. "Já com o cachorro, qualquer movimento que ele faz eu já noto o que está acontecendo. O cão me deu a segurança de alguém que enxerga.”
A partir desta segunda-feira, além de Roberto e Dexter, os ônibus e ruas de Curitiba terão também Davyd e Amora.