“Nasci carnavalesco. Antes, achava que tinha nascido no lugar errado, agora sei que não”, diz Felipe Guerra, um dos três carnavalescos do Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Acadêmicos da Realeza, cujo enredo este ano é “Salve Jorge, o Santo Guerreiro”. Arquiteto e designer de joias, o curitibano de 30 anos é o encarregado pelas alegorias. “Tinha um preconceito bobo quanto ao Carnaval de Curitiba e de repente, chamado a participar, me vi no meio de uma grande estrutura, de famílias de várias escolas, que estão há 50 anos desfilando no peito e na raça”, conta. Ano passado ele trabalhou com a Realeza, cujo convite aceitou com uma condição: só entraria na história se fosse para fazer a diferença.
Guerra explica as alegorias do enredo, que é um sonho antigo do fundador da escola, o carioca Fernando Lamarão, falecido em novembro último e que será homenageado no desfile. “O primeiro carro fala da Lua e da Capadócia, origem de Jorge, o guerreiro, conde e cruzado. O segundo é o carro das Maldades”, brinca Felipe, com a lenda do dragão e da princesa e a intolerância do imperador Diocleciano; o terceiro fala do misticismo e da fé, demonstra o sincretismo religioso brasileiro do qual Curitiba não escapa e o desfile acaba com uma grande procissão, um abadá representando terreiros de umbanda “como se fosse um bloco de Salvador”, compara.
Ele dedica duas horas por semana, o ano todo, para colocar no papel o enredo. O trabalho de todos é totalmente voluntário: o ferreiro cede tempo e ferramentas, o marceneiro idem, as costureiras também e assim por diante. “O que a gente gasta é com material”, explica Guerra.
Enquanto observa a chegada de famílias inteiras para o ensaio da Realeza na Arena Mercês (antigo Vasquinho), no bairro Bom Retiro, na última terça-feira (29), Felipe aponta o samba que Curitiba tem, com pessoas lindas, de todas as cores, de todos os credos. “Não acredito que haja outra festa em Curitiba que reúna do médico ao gari”, diz.
Márcio Marins, o carnavalesco de fantasias da Realeza, é fisioterapeuta de formação, cenógrafo e figurinista de profissão. Carioca, de 40 anos, foi “adotado” por Curitiba há oito anos. Na Realeza está pelo segundo ano. “Desde sempre estive com as escolas de samba, articulando para que o Carnaval de Curitiba não morresse e por entender que a cultura popular tem que ser valorizada como qualquer contracultura”, diz.
Márcio foi o grande pesquisador do enredo. Levou três meses levantando dados e orienta a ópera popular que vai colocar na avenida a história do santo “do qual quase todo mundo tem uma imagem em casa”. Ou a planta espada-de-são-jorge, aliás, bem viva e presente na entrada externa da Arena Mercês, como a proteger quem entra.
A pessoa mais cumprimentada ao entrar no ensaio é Marlene Monte Carmelo, verdadeira enciclopédia do Carnaval de Curitiba, do qual participa desde 1972. Sua primeira escola foi a D. Pedro II, depois Mocidade Azul. “A Realeza veio da Mocidade”, diz ela, que já participou praticamente de todas as escolas e se lembra de grandes carnavais. “Havia mais escolas e com mais participantes, de 800 a 1.200 em cada. A cidade aumentou, mas o número de componentes diminuiu”, constata. “Nós, carnavalescos, estamos lutando para não deixar Curitiba de fora do Carnaval do Brasil”, uma festa que o mundo inteiro reconhece, que é um dos sinônimos do país.