Quase um quinto da população de Curitiba se declara parda (16,9%) e 2,8% são pretos. Os dados são do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pouco documentada, a história da presença negra na cidade, que este ano completou 320 anos, tem de ser contada ao contrário da cronologia. Só agora, no século 21, a negritude do curitibano começa a aparecer, porque os documentos e relatos históricos do passado se limitavam a poucos números e uma insistência: no Paraná não teria havido escravatura em larga escala pela falta de uma agricultura em larga escala na época.
“Africanas havia muitas”, cita Wilson Martins em Um Brasil Diferente, em atividades que eram empregadas em trabalhos domésticos – a cozinha, o forno de pão, a lavagem de roupa e a costura. Os cozinheiros mais hábeis eram os africanos porque não havia padarias e era deles o trabalho mais pesado da roupa e do forno. As lavouras predominantes eram de milho e feijão, menos pesadas que as de cana, café e arroz, então cultivadas “na marinha”. A cultura do café viria bem depois da abolição da escravatura, já no século 20.
Auguste de Saint-Hilaire, naturalista francês que andou pela cidade em 1820, fez levantamentos sobre a população da província: em 1818 havia 1.587 escravos, contra 1.941 vinte anos depois, em 1838. Nos mesmos anos, a população total era de 11.014 e de 16.155 habitantes. Ou seja: a população cresceu em 5.141 pessoas e os escravos, em 354.
Mas, apesar dos poucos documentos existentes, a escravatura existiu no Paraná, ao longo dos ciclos econômicos e na construção de obras gigantescas como, por exemplo, a Estrada de Ferro Paranaguá-Curitiba, entre 1880-85, ligando o Litoral ao Primeiro Planalto e com a engenharia dos irmãos Antônio e André Rebouças, ambos mulatos.
Afrodescendente era também o primeiro presidente da Província do Paraná, em 1853, o baiano Zacharias de Goes e Vasconcellos. Ao assumir o governo da Província independente de São Paulo, ele avaliava a população total em 62.000 habitantes, um sexto de escravos. Em 1872, o presidente Venâncio José de Oliveira Lisboa calculava “cerca de 10.000 escravos” – o mesmo número de duas décadas antes. Os presidentes da Província até a Abolição da Escravatura, em 1888, anotaram em seus relatórios pouquíssimas manumissões (alforrias, libertações) e uma das justificativas históricas era a de que “praticamente não havia escravos a liberar”.
O primeiro caricaturista das terras e da gente paranaenses foi um mulato. É Newton Carneiro quem conta, em “O Paraná e a Caricatura”, que o nome do misterioso personagem, acobertado pelas iniciais J. P., veio à tona quando foram encontradas pranchas num antiquário em Lisboa. Estavam em velha pasta de couro com uma etiqueta que esclarecia: J.P. era um rudimentar artista mestiço, apelidado de João Pedro, o Mulato.
Marcos
A Sociedade 13 de Maio, na Rua Clotário Portugal, 274, bairro São Francisco, é um ponto de encontro da cultura negra desde sua fundação, no ano em que a escravatura foi abolida no Brasil: 1888. Seu nome homenageia a data. Outro ícone é a Praça Zumbi dos Palmares, um memorial que homenageia todas as nações do continente africano, dentro de um parque no bairro Pinheirinho.
Uma das mais fortes imagens da presença negra no Paraná é a lavação da escada de pedra da Igreja do Rosário, em pleno Setor Histórico, com frente para a Praça Garibaldi e as laterais nas ruas do Rosário e Duque de Caxias. O templo onde ocorre a lavagem – realizada este ano no último domingo (17) – foi construído em 1731, com o nome de Igreja do Rosário dos Pretos de São Benedito – ali os pretos podiam entrar, pois não tinham ingresso à “igreja dos brancos” até meados do século 19.